E antes que comece a revolta vou explicar o porque de não ser Charlie.
Temos ouvido muito falar, desde o terrível atentado, sobre Liberdade de Expressão, o quê defendo com unhas e dentes até o último suspiro.
Mas quero falar um pouco também sobre Responsabilidade de Expressão.
A toda liberdade corresponde sempre uma quantidade igual de responsabilidade. Tudo pode, desde que se assuma a responsabilidade pelo que foi feito e suas consequências e decorrências, assim eu vejo. E mais, tudo pode desde que se tenha em mente, sempre, o respeito pelo próximo, suas ideias, ideais e convicções.
Reafirmando o repúdio à ação dos terroristas, não vejo nas publicações do Charlie Hebdo nenhuma preocupação com respeito aos direitos dos outros.
Aliás, tem sido uma tônica da atualidade o “humor” estar diretamente ligado ao desrespeito, à falta de educação e ao desejo de “barbarizar. Sem limites, sem consciência, de forma não livre, mas libertina.
E isso não tem nada a ver com Liberdade de Expressão.
Vamos nos ater aos exemplos nacionais. Recentemente, na abertura da Copa, ficou patente o desrespeito da população com a presidente da república.
Nas manifestações de rua, o quebra-quebra que se instaurou, com destruição, saques e tudo mais, reflete o clima de desrespeito a tudo e à crença de que tudo pode, em nome da liberdade, seja ela qual for.
Na televisão assistimos ao surgimento e crescimento de barbaridades como Pânico, CQC, The Noite, Agora é Tarde, Tudo pela audiência, que têm, todos, como característica principal o desrespeito, a falta de educação e a baixaria sem limite.
Devo até confessar que, mesmo como ferrenho defensor da liberdade de expressão, tenho uma certa alegria quando algum entrevistado desce o braço em alguém do Pânico. Eles pedem isso.
O que faz sucesso são barbaridades como a recente Mendigata, com certeza a coisa mais ignóbil que poderia surgir. Sem graça, sem sentido e com o único objetivo de chocar. A quem?
Trata-se de assuntos sérios com extrema leviandade, retirando o foco do assunto principal e transportando-o para a capacidade do “repórter” de ser mal educado e grosseiro. Assuntos sérios devem ser tratados com seriedade.
A campanha Je suis Charlie (inspirada no Eu sou Spartacus) atem-se ao repúdio ao ato terrorista, com o que concordo plenamente, e deixa de lado a discussão aprofundada da situação, aliás outra característica da atualidade, a superficialidade.
Contribuirá para o encaminhamento dessa questão seríssima e complexa da falta de respeito e do fanatismo religioso, tanto quanto o jogador de futebol comendo uma banana antes de cobrar o escanteio ou a campanha que se seguiu do “Somos todos macacos” contribuiu para a questão do preconceito racial.
Da mesma forma que na época fiz coro à minoria que afirmava não ser macaco, afirmo agora não ser Charlie.
Repudiando veementemente todo e qualquer ato violento, vindo de onde venha e sob qual pretexto seja praticado, defendendo a Liberdade de Expressão, a Responsabilidade de Expressão e o respeito às diversidades e sabendo que a minha liberdade vai até onde inicia o desrespeito aos demais.
Carlos Freire é graduado em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo, especialista em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas, APG Amana Key de São Paulo, especialista em Educação Ambiental pelo SENAC, mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade da Amazônia. Atualmente é professor universitário e Diretor Executivo da Assessoria Comunicação e Marketing em Manaus/AM.